quinta-feira, 26 de agosto de 2010

O SOL, O MEU SÃO MIGUEL

Pela estrada de Santa Cruz, ainda menino de olhar bobo, várias vezes eu me perguntei:
Por que São Miguel Arcanjo fica escondido lá na Igreja e não vem brincar com réstias de Sol que faiscam no ribeirão, mistérios dourados que não se pegavam com as mãos?
Não gostava de ver São Miguel Arcanjo entre as sombras da Igreja, quieto, frio e triste.
Aquela é só a figura dele, diziam, e eu me consolava.
Mas o São Miguel de verdade onde estaria?
No céu, respondiam com preguiça os mais velhos.
Céu de noite ou céu de dia?
E os mais velhos saiam resmungando sem responder.
Então, eu mesmo achei que São Miguel era de um céu de dia.
E os galos cantavam alegres quando ele aparecia. E cantavam tristes quando ia embora.
O Sol era meu São Miguel e assim foi até que me puxaram a orelha. E quem puxou foi meu avô congregado mariano e que eu nunca mais ficasse a pensar bobagem.
Cresci, descambei pelo mundo, me esqueci de mim.
A gente cresce para se esquecer de si mesmo. Mas, uma dia a gente se lembra e quando se lembra sente que toda a verdade passa apenas pelos tempos de criança. O resto é mentira.
E assim eu estou voltando ao Sol, o meu São Miguel.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

NOVAS DEFINIÇÕES DA VIDA

Tédio: O insustentável peso de ser.
Por exemplo: Casar com quem você ama e durante mais de 20 anos, todas as noites, sentar-se à mesma mesa, pontualmente no mesmo horário, com as mesmas roupas, o mesmo sorriso, os mesmos gestos, as mesmas vozes. Então, ambos lêem juntos, como sempre, o mesmo jornal das oito horas de sempre, na Globo de sempre.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

UM JOVEM NO AR

UMA MENSAGEM DO JOVEM RAFAEL PÁSSARO, QUE APALPA O AR COMO TANTOS OUTROS, NESTES TEMPOS DE VENTOS UIVANTES:
" Enfim, decidi responder tantas perguntas sem ter que ficar em Control C ou Control V.
Respondo a mim mesmo, a mais ninguém, sem precisar mentir nem dizer coisas que um dia sonhei. E muito menos pra essa gente que achei que valesse a pena. Acima de tudo, não preciso mais fechar a cara nem empinar o nariz como essa nossa pobre sociedade faz.
Enfim, eu respondo a mim mesmo e as coisas que falo --- embora sejam difíceis de entender --- são duras verdades dessa vida que ficou cega pelo dinheiro, bens materiais e pelo poder do "eu quero".
A chatice de uma crítica sobre o Mundo, as palavras ignoradas, o saco de aguentar textos de um Zé Ninguém, tudo é apenas só o adiamento do que se torna visível todo dia, ou seja, a rotina bitolada do vai-e-vem casa e trabalho.
Viver na bolha do "Não" esperando encontrar um dia a história de um filme americano clichê. Chega. E chega também das compras desnecessárias, das comidas-lixo, dessas pessoas do bloco "Eu Sou mais Eu", que vivem seus dias e noites à espera do envelhecimento.
Chega dessa beleza artificial dos cabelos loiros, da academia, dessa vaidade vazia e preguiçosa, sem graça e sem surpresa, e onde tudo é descartável, inclusive o repeito humano.
O lamento é um meio de protesto silencioso do amor que se perdeu.
Mas, eu prefiro o cavalheirismo e a breve sutileza de amar a saudade.
Porque o mundo anda perdido nas mesmices e não perdoa nem aqueles olhos que ainda tentam se encontrar, mas temem a mudança.
Agora, eu sei as respostas. Mas, não conto a ninguém. Eu vou só, com fé e coragem.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

ENTRAM NEYMAR E GANSO. SAI DE CAMPO O FUTEBOL BUNDÃO DO BRASIL.

Adorável futebol tico-tico no fubá, futebol jeito de chorinho de Valdir Azevedo, com a malandragem de Bezerra da Silva, ginga de Zeca Pagodinho e Moreira da Silva, samba no pé de Germano Mathias, futebol sincopado, do faz que vai e não vai, mas vai mesmo.
Sai de campo o futebol bundão do Brasil, que tem a cara de Parreira e de seu fiel discipulo Dunga. A bola que sempre foi redonda no futebol brasileiro, ficou chata com os dois, ambos com um jeito de ser de quem ainda dorme de ceroula, com pantufas embaixo da cama.
Mas, a bola voltou a ser leve e flutuante no jogo contra os Estados Unidos. Não tem mais o peso daqueles paralelepípedos que Dunga e Jorginho carregavam sob os braços quando entravam em campo para os treinamentos.
Futebol de paralelepípedo dói para quem chuta e para quem vê.
O Dunga, o Jorginho e o Parreira seriam excelentes mestres de obra, porque o que eles mais sabem é construir paredes e paredões e cuidar de britadeiras.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

UMA NOITE DO CASAL DO JORNAL DAS OITO

--- Por favor, querido, olhe pra mim quando você diz boa noite!
--- Eu tenho que olhar para a câmera, querida.
--- Olhe para a cama. A gente está em casa, não no ar.
--- Tem certeza?
--- Claro.
--- Então, por que estou de gravata?
--- Eu é que pergunto: por que você está de gravata vestido de pijama?
--- Meu Deus! Estou confuso. Jura que não estamos no ar?
--- Claro que não, querido.
--- Então, vou tirar o pijama.
--- Se você tirar o pijama e ficar só de gravata, teremos, finalmente, uma noite diferente e excitante, querido.
--- E se você desmanchar seus cabelos, querida, a noite promete ainda mais.
--- O que têm meus cabelos?
--- Reflexo.
--- Reflexo? Impossível, querido. Não sou Ana Maria.
--- Eu falo de reflexo condicionado do Pavlov. Você tem cabelos condicionados. Basta qualquer plim-plim e eles ficam todos arrumadinhos.
--- E você, querido, que repete há anos os mesmos movimentos de cabeça e de olhos diante de qualquer luzinha vermelha que vê na frente? Até farol vermelho faz você virar um ratinho do Pavlov.
--- Igual a você com aquele sorriso repetido e sem som.
--- Querido: fora do ar meu sorriso é franco e sonoro. E o seu? Desculpe, mas é tão contido que parece que você usa prótese total. E tem mais: você fala comigo com voz e texto do Jornal das Oito e, na melhor das hipóteses, com texto do Google, mas lamentavelmente com a mesma voz. Não dá para sua voz voltar ao normal, com um texto leve e improvisado, pelo menos quando estamos em casa?
---Você tem certeza que estamos em casa, querida?
--- Claro.
SILÊNCIO.
NO AR.
--- Meu Deus.
--- Meu Deus.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

MEUS FILÓSOFOS PREFERIDOS

Mendigo Tapichi
Leon Eliachar

Na juventude segui dois filósofos: o mendigo Tapichi (*) e Leon Eliachar (**).
Incrível que Tapichi sempre carregava no bolso textos avulsos de Eliachar para responder questões às vezes sérias às vezes bobas. E as respostas casavam com qualquer pergunta.
--- Afinal, você é contra o que, Tapichi?
--- Contra nada. Eu nascí para ser a favor (e então falava pelas linhas de Leon Eliachar). Sou a favor do casamento de homem com homem, de mulher com mulher e sou a favor do padre que é contra tudo isso. Sou a favor do homem que faz depilação e sou a favor do homem peludo que é contra homem pelado. E é assim que eu continuo vivo e eterno, porque pego vento a favor, mesmo quando o vento é contra.
(*)Tapichi, o mendigo eterno da cidade de São Miguel Arcanjo. Às vezes, ele aparece.
(**) Leon Eliachar, humorista e escritor consagrado. Trabalhou nas revistas Manchete, Fon-Fon, Revista da Semana, Jornal Ùltima Hora. Autor de vários livros.


domingo, 1 de agosto de 2010

UMA NOITE EM 67

Eu nunca fui de perder uma noite, mas aquela de 67, que esperei tanto, ficou no tempo parado de um Dauphine Azul enguiçado no meio do caminho.
Na indecisão de quem não consegue deixar para traz coisas paradas, fiquei no lugar reservado aos catadores de vento --- e na avenida 23 de Maio o vento morno e esfumaçado dava um enjôo nervoso.
O teatro da TV Record tão perto e eu tão longe do desapego a um carro que me fazia velho, enquanto o mundo novo subia ao palco.
Aos vinte e poucos anos senti que minha vez e hora jamais chegariam se não me largasse de mim e sem lenço, sem documento, me atirasse na Roda Viva de um Domingo no Parque e que no meu desalento houvesse um Ponteio de Alegria, Alegria.
Deixei o Dauphine na avenida, mas cheguei tarde e perdi Uma Noite em 67. Mas, juro que não perco mais. Não tenho mais o Dauphine Azul (uma informação exclusiva para meu amigo Edgard Soares). Também não tenho as mesmas noites. Por isso mesmo é que vou ver o filme de Renato Terra e Ricardo Calil, que faz renascer das cinzas de todos os cigarros da Década de 60 quem é Fenix em nossa MPB.