sexta-feira, 19 de junho de 2009

O VÔO DO COLIBRI

De meus pesos me desfiz.
E descobri a liberdade de não ter.
Doce liberdade essa de voar acima do querer tanto.
E saber que o tanto é desencanto.
Doce, como é doce a liberdade de subir ao céu sem passar pelas portas de tantas igrejas que trancam o caminho e criam uma porção de medos e aparam as asas de quem sente que a liberdade é um vazio onde pairam o Sol, a Lua, as estrelas e todos os sonhos.
Não se teme nem se foge mais de nada quando se flutua sobre o nada.
O nada é o tudo desfeito.
E o amanhã é só uma pluma solta num vento sem rumo.
Doce, como é doce essa liberdade de não ter para onde ir.
Ah, essa liberdade, doce liberdade de voar sem medo da vida ou da morte.
A morte que morre em mim é a vida.
E a vida que vive em mim é a morte.
Não vim ao mundo, sempre estive aqui.
E que seria do mundo sem mim?
Ah, como é doce voar nas asas da doce loucura de Deus.
(Do livro Ayauasca e a Magia de Viver, de Miguel Arcanjo Terra)

sexta-feira, 12 de junho de 2009

A GRAÇA DE JUÓ BANANÉRE (1892 - 1933).

Sob a paz da garoa do bairro de Moema, Luis Roberto Soderini Ferraciu foi buscar Juó Bananère lá no fundo do baú. Juó Bananeri era o pseudônimo do escritor brasileiro Alexandre Marcondes Machado, que usava a linguagem falada pela grande colônia italiana de São Paulo no século XX, quando dos 520 mil habitantes da cidade, mais da metade eram imigrantes. Juó Bananère dizia-se Gandidato á Gademia Baolista di Letteras (Candidato à Academia Paulista de Letras).
Acompanhem um trecho da paródia de Juó Bananère ao poema "Canção do exílio" de Gonçalves Dias:
Migna terra tê parmeras,
Che ganta inzima o sabiá.
As aves che stó aqui,
Tambê tuttos sabi gorgeá.
A abobora celestia tambê,
Che tê lá na mia terra,
Tê moltos millió di strella
Che non tê na Ingraterra.
Os rios lá sô maise grandi
Dus rios di tuttas naçó;
I os matto si perde di vista,
Nu meio da imensidó.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

GEÓRGIA

Benditas essas almas que ao lado das outras se encantam.
Benditas essas almas que caídas em si mesmas se levantam.
Benditas essas almas que se desfazem e se tornam vento forte.
Benditas essas almas que por serem eternas nunca temem a própria morte.
Benditas essas almas que ocupam bancos vazios numa tarde triste.
(Do livro Ayaauasca e a Magia de Viver, de Miguel Arcanjo Terra)

SUMMERTIME

Nada ter sob o Sol e rir de dor com olhos de fogo.
Nada ter sob o Sol e queimar a voz numa boca inútil.
Nada ter sob o Sol e perder ao meio-dia a própria sombra.
Nada ter sob o Sol e assim mesmo caminhar.
(Do livro Ayauasca e a Magia de Viver, de Miguel Arcanjo Terra)

NOITES DE DOMINGO

É um vazio doído.
Dói assim do nada.
E, se não me engano, sempre dói nas noites de domingo, entre vastas sombras de prédios desacordados, quase mortos.
Que bom seria um canto de bem-te-vi.
Mas, não existem bem-te-vis sob as sombras pesadas que caem e amassam passarinhos e amassam as flores que brinquei de ver na manhã do mesmo domingo em que descobri que a dor é uma noite.
(Do livro Sob as Sombras do Bem e do Mal, de Miguel Arcanjo Terra)


AS ROSAS NÃO FALAM

Cartola só quis dizer que o amor vem em silêncio.
E o mar se aquieta. O mal também.
Todo o bem de querer, meu bem, é vento parado, luzes calmas morro acima.
E se um galo cantar é porque sonhou.
E se uma criança sonhar, é porque se encantou.
O amor só vem em silêncio.
Quieto.
Divinamente rosado pelo Sol noturno de um poeta mudo.
(Do livro Ayuoasca, a Magia de Viver, de Miguel Arcanjo Terra)

NINGUÉM ME AMA

Uma noite qualquer, uma quinta-feira qualquer.
Bar do Maksoud Plaza, na Paulista.
Eu solo no trompete "Ninguém me Ama", de Antonio Maria e Fernando Lobo.
Uma estranha solidão me diz que me perdi de você e me perdi de mim.
Tudo é tão doído que nada dói.
Não sei mais quem sou ou quem fui.
Nem divago mais.
Minha alma de pedra não sabe em quem se atirar.
Talvez a morte tenha mais vida que a vida morrendo em mim.
(Do livro São Paulo de Todos os Milagres, de Miguel Arcanjo Terra)

O NADA É MEU EXÍLIO

Edith Piaff canta Douce France no silêncio de mim mesmo.
Eu em Paris, a esmo.
Amanhã, pego e rasgo meu bilhete do metrô.
Vou pular o muro de medo e de sombras.
Volto ao meu destino.
Não quero Sacré-Coeur na próxima parada.
Quero estrelas do Jaçanã, num Trem das Onze, despencadas na janela.
Dividir com quem esta tristeza?
Sou uma alma sem igual, um ser invisível e o nada é meu exílio.
Amanhã, volto ao meu destino.
Não quero mais sentir saudades de mim mesmo.
(Do livro São Paulo de Todos os Milagres, de Miguel Arcanjo Terra)